Política da Pornochanchada: Entre o Estado e a Transgressão

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A década de 1970 - 1980, no Brasil, roupou-se do progresso, sintonizado por vários segmentos em diversos níveis, e a propaganda militar falava incessantemente de um período economicamente próspero. A indústria cultural ganhou fôlego ocorrendo expansão no consumo de bens simbólicos, sendo que o cinema, também acompanhou o processo e expandiu sua produção aproveitando-se das leis de incentivo a cultura nacional, recebendo subvenção e financiamento para as produções.
A EMBRAFILME foi a grande produtora no âmbito da cinematografia nacional, sendo que no ano de 1973 iniciou seu programa de co-produção, tornando o Brasil o maior produtor de cinematográfico latino-americano do período. Ainda que fosse uma empresa criada pela iniciativa do governo militar e estando diretamente vinculada com o Ministério da Educação e Cultura, não havia de fato um direcionamento do que se deveria produzir; diferentes gêneros eram financiados, não havendo cartilhas de orientação direcionadas aos produtores. Havia, contudo, muita clareza do que não se queria no regime, filmes com críticas e afrontas explícitas eram considerados subversivos e sumariamente descartados pela censura.
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Assim, as pornochanchadas alcançaram a primazia entre os filmes subsidiados pela EMBRAFILME. Mesmo que, não seguissem a linha de filmes que agradavam a censura, há um consenso entre autores de que estas não eram essencialmente subversivas, mas, ao contrário, suas temáticas e abordagens, que ressaltavam o machismo e a banalização do corpo feminino, mostravam-se como forma de reafirmar valores vigentes.
Conforme ressalta Sales Filho
"Uma analise mais detalhada desses filmes, entretanto, literalmente desmonta e faz desmoronar qualquer ideia de sobre a transgressão que até agora tem caracterizado sorrateiramente a identidade brasileira. Parece que o que mais claramente nos distingue é o conservadorismo. Conservadorismo não apenas no sentido da preservação dos chamados bons costumes, mas sim de todas as ideias e conceitos em que estamos mergulhados: sejam eles bons costumes, sejam preconceitos, ou estereótipos" (1995, p. 69-70).
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As ideologias, ainda que contraditórias, são a todo o momento mediadas pelo som, imagem e movimento. Ora revelando seu caráter libertário, perceptível nas cenas de nudez, ou do sexo em locais naturais, ora em suas representações e discursos que demonizam aquilo que se difere do proposto pelos moldes vigentes da moral burguesa.
As pornochanchadas foram percebidas com grande preconceito pela comunidade intelectual, julgavam-nas como despolitizadoras, já que alienava a sociedade no que se referia à atuação do governo ditatorial e das perseguições praticadas por este, que, por sua vez, eram retratados pelos diretores do cinema/intelectualista de protesto/arte. Em meio á nudez e tiradas sarcásticas de humor que iam da brejeirice á picardia, as pornochanchadas travestiam-se com as roupagens da ingenuidade frente aos órgãos da censura, o que possibilitou a algumas produções a inserção de críticas á sua instância produtora, no caso ao governo ditatorial.
Para além de seu caráter “ingênuo” ou “transgressor” esse gênero cinematográfico pode ser compreendido a luz de um contexto complexo, heterogêneo, e, até mesmo, contraditório. Filmes eram produzidos e subvencionados por uma empresa estatal, e, posteriormente, os departamentos de censura barravam a distribuição e veiculação destes filmes, sob a prerrogativa de transgressão a moralidade.
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Há, nessas contradições, elementos que evidenciam o caráter civil da ditadura, interpondo-se entre posições reducionistas e dualistas acerca do período. Estes são alguns pontos que pululam da temática, e apontam para novos olhares com relação ao cinema nacional. Portanto, ao despir-se de juízos de valor que supõe uma postura intelectualizada/erudita da cultura e do cinema brasileiro cai-se o véu da transgressão, do desinteresse e das prerrogativas preconceituosas, revelando outras vias de compreensão e apreciação para o cinema brasileiro.


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